quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dê graças! A visão de casamento da Time é obsoleta

Nancy Pearcey*

Na hora das famílias se reunirem para o Dia de Ação de Graças, a revista Time nos diz que o casamento está se tornando "obsoleto". Uma pesquisa conduzida junto com o Centro de Pesquisa Pew descobriu que aproximadamente 4 em 10 americanos concordam que o casamento está ultrapassado.

Este número inclui tanto os que aplaudem a tendência (62% dos que cohabitam) e aqueles que lamentam (42% dos auto-descritos conservadores).

A verdadeira estória, entretanto, é o pressuposto não declarado de que o casamento é definido primeiramente pelos benefícios que ele confere. Como a Time coloca, as pessoas não mais "precisam estar casadas para ter sexo, ou companhia, ou sucesso profissional, ou respeito, ou mesmo filhos".

O título do artigo é: "Casamento: pra que serve?"

Como os americanos vieram a aceitar uma visão tão utilitarista do casamento? É uma definição superficial, culturalmente condicionada, ocidental e modernista - uma que promete libertação, mas na realidade põe uma ameaça à liberdade.

As fontes da civilização ocidental - ambas clássicas e cristãs - reconheciam que relações sociais como o casamento são naturais, pautadas na natureza humana. O casamento foi considerado uma instituição social pré-existente com sua própria estrutura normativa.

Nós não criamos o casamento no improviso. Em vez disso, na elegante linguagem da cerimônia de casamento, nós "entramos no santo estado do matrimônio".

Então, na primitiva Europa moderna, a idéia estranha surgiu de que o casamento não é nem natural, nem intrínseco à natureza humana. Os físicos Newtonianos ilustraram o universo material como átomos se colidindo no vácuo sob a força da atração ou repulsão. A mesma metáfora logo foi aplicada ao mundo social também.

A sociedade civil foi ilustrada como muitos "átomos" humanos que se uniam e "amarravam" em vários relacionamentos sociais.

Os teóricos do contrato social como Locke e Rousseau propuseram que os humanos começam como indivíduos atomísticos, disconectados e autônomos. No "estado de natureza" não há casamento, família, nem sociedade civil.

Como, então, os relacionamentos sociais surgiram? De acordo com a teoria, foram criados pela escolha. E, portanto, podem ser recriados pela escolha.

A teoria do contrato social, assim, reduz todos os relacionamentos a... bem... contratos.

Em um contrato, os termos podem ser definidos da forma que você quiser. Diferente do compromisso da vida inteira de alguém para melhor ou pior, um contrato é uma troca limitada de bens e serviços. É um arranjo que firmamos com outros, que podemos fazer ou quebrar pela vontade. Se não mais produzir os benefícios desejados, pode ser encerrado.

Soa familiar? Esta é a visão de casamento que a Time pressupõe quando apresenta a idéia de que o casamento poderia ser obsoleto.

E a Time não está sozinha. A maioria dos americanos absorve alguma forma de teoria do contrato social com o ar que respira. O professor de Princeton, Eric Springsted, diz que este é a pressuposição inconsciente que os alunos trazem à sala de aula: "sem ter lido uma palavra de Locke, eles poderiam reproduzir sua noção do contrato social sem dúvida no mundo".

Não há surpresas no senso dos americanos, de que os laços sociais estão se enfraquecendo. No livro Democracy's Discontent (o descontentamento da democracia), Michael Sandel, de Harvard, reclama que a filosofia política liberal apresenta os humanos como "seres livres" que rejeitam se prender por qualquer "amarra moral ou cívica que eles não tenham escolhido".

Em Rights Talk (falando de direitos), Mary Ann Glendon, também de Harvard, diz que mesmo nossas leis são baseadas em uma imagem do "ser livre, um ser conectado a outros apenas por escolha".

E se humanos são originalmente e inerentemente indivíduos autônomos, então se segue logicamente que qualquer limite moral sobre a sua autonomia será considerado contrário à sua natureza. A idéia de que o casamento tem uma estrutura normativa parecerá opressiva.

Como resultado, o casamento como praticado nos Estados Unidos se tornou extremamente frágil - com consequências trágicas. Os dados empíricos claramente mostram que crianças de pais solteiros ou divorciados têm mais probabilidade de sentir problemas emocionais, de comportamento, e de saúde. Têm mais probabilidade de problemas na escola e desistência. São um risco maior para a gravidez antes do casamento, drogas e abuso do álcool, suicídio e crime.

Consequentemente, há mais probabilidade deles requererem serviços sociais através do sistema educacional, do sistema de saúde, do sistema de saúde mental e do sistema de justiça criminal. Todas estas intervenções são intrusivas e caras. Somente a execução do pagamento de auxílio à criança custa dez milhões de dólares aos Estados individuais.

Enquanto o casamento se enfraquece, o Estado cresce mais invasivamente, e se torna mais caro. E as pessoas crescem menos livres e mais fracas.

Os custos da crise no casamento são suportados por toda a sociedade, e, portanto, é razoável para toda a sociedade demandar apoio ao casamento - insistir que ele é privilegiado tanto culturalmente quanto legalmente.

A defesa do casamento é a defesa da liberdade. Nenhum dos dois é obsoleto.


Publicado originalmente no Human Events [clique aqui para ler o original]

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*Nancy Pearcey é autora do livro Verdade Absoluta, publicado em português pela CPAD; do livro A Alma da Ciência, publicado pela Cultura Cristã, bem como de outros livros envolvendo Filosofia da Ciência, Teologia Filosófica, Cristianismo e Cultura, e Cosmovisão Cristã.

4 comentários:

  1. Que legal vocês traduziram o texto da Nancy Pearcey... parabéns!

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  2. Muito bom! Eis uma palavra de uma conservadora experimentada, que sabe correlacionar assuntos que a mesma sociedade que rejeita o casamento vê como "atomizados, autônomos".

    Cada vez mais me convenço de que a burrice é fragmentária, enquanto a inteligência correlaciona e une. Exatamente a mesma diferença entre o ódio e o amor.

    Bom casamento para vocês! :-)

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  3. Obrigado, Igor, tive acesso ao texto quando vi seu comentário ao link da Nancy no Facebook. De alguma forma você contribuiu para que esta tradução chegasse ao EuCaso.com.

    Abraço

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  4. Obrigado, Norma,

    A Nancy, além de contribuir intelectualmente, faz parte da minha história com a Net, pois foi na disciplina de cosmovisão reformada - na qual trabalharíamos com a obra Verdade Absoluta, entre outras - que nos conhecemos.

    Ela é um bom referencial de crítica cultural com sabedoria. E esse texto sobre o casamento foi muito feliz.

    De fato, a inteligência foge da "superespecialização" moderna e permite um pensamento abrangente.

    Obrigado pelas felicitações - estamos chegando no grande dia em que nos tornaremos um. =)

    Abraço

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